sexta-feira, fevereiro 19, 2010

Filósofo Mascarado



Eu compreendo bem o mal-estar de todos esses. Foi, sem dúvida, muito doloroso, para eles, reconhecer que sua história, sua economia, suas práticas socias, a lingua que falam, a mitologia de seus ancestrais, até as fábulas que lhes contavam na infância, obedecem a regras que não se mostram inteiramente à sua consciência; eles não desejam ser privados, também e ainda por cima, do discurso em que querem poder dizer, imediatamente, sem distância, o que pensam, crêem ou imaginam; vão preferir negar que o discurso seja uma prática complexa e diferenciada que obedece a regras e a transformaçõs analisáveis, a serem destituídos da frágil certeza, tão consoladora, de poder mudar, se não o mundo, se não a vida, pelo menos o seu "sentido", pelo simples frescor de uma palavra que viria apenas deles mesmos e permaneceria o mais próximo possível da fonte, indefinidamente. Tantas coisas em sua linguagem já lhes escaparam: eles não querem mais que lhes escapem além disso, o que dizem, esse pequeno fragmento de discurso - falado ou escrito, pouco importa - cuja débil e incerta existência deve levar sua vida mais longe e por mais tempo. Não podem suportar (e os compreendemos um pouco) ouvir dizer: "o discurso não é a vida; seu tempo não é o de vocês; nele, vocês não se reconciliarão com a morte; é possível que vocês tenham matado Deus sob o peso de tudo o que disseram; mas não pensem que farão, com tudo o que vocês dizem, um homem que viverá mais que ele."

Foucault